Não há noite que dure para sempre, nem dia que nunca acabe!

Do alto de sua estatura de mais de 1,80m, ele olhava o mundo, de cima pra baixo, com “olhos de ver”. E via um universo muito seu. Diferente do que a grande maioria das pessoas comuns consegue enxergar.

Seus conhecimentos e experiências variadas lhe conferiam autoridade para versar e conversar, em profundidade, sobre os mais variados assuntos. E o fazia muito bem!

Mas, se grande era o seu tamanho, maiores ainda foram os seus problemas. Enfrentou a todos eles com muita bravura. Venceu-os a quase todos. Menos a um!

E, esse único problema não solvido, custou-lhe caro, muito caro!

Tinha, então, 56 anos, apenas. Bem vividos, é verdade, mas, dir-se-ia, ainda tratar-se de um jovem. Afinal, joviais eram suas idéias e atitudes. Sempre e em quaisquer circunstâncias.

Lembro-me, muito bem, de seu espírito brincalhão, festivo. Não gostava de farras, é verdade, mas vez por outra enveredava pelos caminhos de Baco. E foi numa dessas raras vezes em que, juntos, tentávamos ‘pegar o sol com a mão’ que presenciei um dos fatos mais hilários de minha vida mundana.

Vamos aos fatos!

Era um sábado de sol forte, como soe acontecer em minha bela Fortaleza, e nós dois, então solteiros e bon vivants, combinamos ir à praia, bebericar umas cervejotas imbecilmente geladas, acompanhadas de enoooormes caranguejos, tão fartos àquela época.

Claro que tudo isto era apenas desculpa esfarrapada. O que pretendíamos, na verdade, era azarar as gatinhas, tão maravilhosas quanto igualmente fartas, então.

E assim foi feito. Ao chegarmos à Praia do Futuro, sentamos numa mesa estrategicamente posicionada. Logo, logo, à mesa ao lado, sentam-se três maravilhosas louras. Era tudo que queríamos. Passamos imediatamente ao ataque ops!, aos galanteios. Usando de uma desculpa qualquer, sentamo-nos à mesa de nossas vítimas, ops!, musas.

O papo rolou solto e em poucos instantes vimo-nos aos beijos e abraços, cada qual com a sua preferida. Mas aí, um problema saltou à nossas mentes: O que fazer com a terceira gata, igualmente bela e sedutora? Não poderíamos perder aquela preciosidade...

Usamos a velha e surrada, mas infalível, desculpa de ir ao banheiro, para bolarmos o golpe final ops!, o desfecho daquela história.

A idéia era a seguinte: Como já era noite, iríamos todos para o meu apartamento, onde pegaríamos os convites de um sítio inexistente onde estaria rolando, àquelas horas, uma festa igualmente inexistente. Sabíamos que, em lá (no apartamento) chegando, tudo ficaria mais fácil e nós colocaríamos a terceira vítima ops!, loura no ‘paredão’, pra usar uma palavra mais em moda .

Tudo acertado, e enquanto eu esperava a devolução do cartão com o qual pagara a conta, ele avisa-me que iria à frente, levando consigo a sua conquista e a amiga, enquanto eu iria em seguida, igualmente com minha nova namorada.

Demorei alguns minutos e, ao sair rumo ao apartamento, resolvi mudar um pouco o caminho, para passar, antes, numa delicatessen, onde tencionava comprar uns queijos e vinhos, para abrilhantar ainda mais a festa.

Sorte minha! Foi justamente neste percurso totalmente inusitado para chegar-se a meu apartamento, que encontro, numa avenida movimentada, mas àquela hora erma, o seu (dele) carro parado, e ao lado, ajoelhado, de mãos postas para o céu, ELE, sim!, meu irmãozinho fujão, (que tivera a mesma idéia que eu, de passar na delicatessem, mas que pretendia me tirar da parada, levando as gatas para o SEU apartamento) como que ‘rezando’ algo, ao que me lembre, mais ou menos, assim:

“Oh! Senhor...

Não apagueis, jamais, essa lua e essas estrelas, pra que essa farra, que só está começando, nunca acabe!

Ah! Senhor, se não for pedir muito, que o Inácio não nos encontre!”
Só pude rir. E muito! Mas, enfim, colocamos, para seu (dele) desespero, o plano original em prática!

Outra fantástica lembrança é de uma desventura sua que, se não fosse trágica, seria hilária: Tinha ele um cachorro de estimação, treinado para defender seus donos, atacando ao agressor que, por ventura, estivesse armado. E era seu orgulho. Mas certa feita, num fim-de-semana qualquer, estando na santa paz de seu lar, resolveu tomar uma água de coco, fresquinho, tirado ali mesmo em seu quintal. Ao tentar descascar dito coco, com um facão, esquecera do cachorro, que a tudo observava, deitado a seu lado. E este (o cachorro) ao ver o facão, e justo no momento em que este descia rumo ao coco, pulou sobre o seu braço, desviando a trajetória do mesmo. Este pequeno desvio custou-lhe dois dedos, decepados que foram pelo dito facão.

Seria um grande problema para qualquer um de nós. Mas, na sua ótica de guerreiro, preferiu ver o fato pelo lado positivo. Mas que lado positivo? certamente perguntará você, meu querido leitor! E é procedente a pergunta. Mas ele, não por pecúnia, mas por seu jeito meio maroto, preferia ver, esses dois preciosos dedos que agora lhe faltavam, não como um desastre, mas, sim, como a possibilidade de 20% DE DESCONTO, NA MANICURE!

Coisas de meu irmão! Mas, ah!.. Lembro que falei, antes, de uma sua batalha perdida. De seu único problema não solucionado. Pois vamos a ele.

Há poucos meses, quando reestruturava toda a sua vida, prestando diversos concursos, nos quais invariavelmente passava em ótimas colocações, ao fazer simples exames de rotinas, descobriu um problema cardíaco gravíssimo, que só seria sanado através de cirurgias complicadíssimas. Primeiro, fez-se uma ablação e depois uma tentativa falha de implantação de um marca-passo com desfibrilador, ou coisa parecida, a cujo procedimento meu jovem e bravo irmão não resistiu e viu-se, por fim, derrotado.

Faleceu, precisamente, às 10h40min, desta quarta-feira, 3 de março, aos 56 anos de idade, deixando na orfandade quatro filhos: Ivens e Bárbara, filhos de seu primeiro relacionamento com Liz e Amanda e Monique, frutos de seu relacionamento com Lana.

(A todos, neste momento, meu mais irrestrito apoio e total solidariedade.)

Mas, como Marcos Paulo Rolim (assim se chamava!) NÃO era uma pessoinha comum, em um último gesto de grandeza, poucos instantes antes de adentrar a sala de cirurgia que lhe tomou a vida, pediu, aos irmãos ali presentes que, caso algo saísse errado, seu corpo não fosse sepultado e muito menos cremado, mas que fosse doado à Faculdade de Medicina, da Universidade Federal do Ceará, possibilitando, assim, que seu problema, grave e que só existem detectados, no Brasil, 5 casos, fosse estudado, no intuito de, eventualmente, salvar outras vidas, no futuro. E seu pedido foi, diga-se, prontamente atendido!

É, caro leitor, este era meu irmão! Um Homem, com “H” maiúsculo. E Homens desta estirpe jamais se prestariam a alimentar vermes, embaixo da terra. Homens assim, como Marcos Paulo, alimentam o conhecimento, o saber, a razão!

Que este seu gesto de desprendimento seja entendido por outras pessoas, e que seu exemplo seja seguido por outros tantos que acreditam num amanhã melhor, mais saudável, mais altruísta.

Mas você, querido e paciente leitor, o que acha da doação de órgãos (ou do corpo, como um todo)? Você doaria o seu corpo, ou apenas alguns órgãos, para pesquisas científicas ou para salvar vidas? Deixe sua opinião, nos comentários. Eu, de já, agradeço, apesar da enorme dor!

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